24 de janeiro de 2011, Rio de Janeiro, Rocinha.
A entrada para a maior comunidade das Américas é sinuosa, em meio a motos que sobem e descem num frenesi colérico esse é um lugar apenas indianamente transitável, uma pequena Nova Délhi, em que se vai por onde se volta, literalmente. Nosso destino através desse confuso labirinto? O CAPS, centro de atenção psicosocial. Localizado no mesmo prédio da UPA (ver posts anteriores sobre) e de uma clínica da família (ver posts anteriores sobre) ele faz parte das, relativamente recentes, políticas de desistitucionalização do sistema de saúde. Tais políticas são um dos pontos culminantes da reforma psiquiátrica no Brasil, que tem início no final da década de 70. Com o intuito de humanizar o tratamento psiquiátrico, esse novo paradigma visa diminuir, paulatinamente, o número de internamentos, além da melhora nos tratamentos de saúde mental.
Após conhecermos a estrutura do centro, que, como as UPAs e clínicas da família, em nada lembra as arcaicas construções na área da saúde, alguns alunos foram convidados - ou talvez tenham se convidado – a, um por um, passar a noite no CAPS, em um plantão, das sete da tarde as sete da manhã. Como único aluno de psicologia do projeto, satisfeito, me prontifiquei a ser o precursor dessa experiência. Meus companheiros nessa jornada eram, dois técnicos em enfermagem e um enfermeiro, todos com alguma especialização na área da saúde mental, além de F, uma senhora, paciente do CAPS. Enquanto conversava com meus colegas de plantão e F caminhava tranquilamente pelo centro, recebemos a visita de outra paciente. O que em outro contexto soaria como, no mínimo, extravagante, não era em nada incomum no CAPS, o “louco” procurando o “sanatório”, e eu logo entenderia o porque. W, a paciente, tem cerca de 50 anos e mais parece um pequeno furacão. Expansiva e alegre, sempre com uma piada sob a língua ela é recebida por meus companheiros mais como uma amiga, velha conhecida, que como paciente. Nesse momento pude ver toda política de humanização da saúde mental em prática. W não era um diferente entre nós, tinha voz, que era plenamente ouvida, e talvez por isso, parecia com o ouvido pleno para o escutar. O que ocorreu nas quase duas horas de sua visita, foi tão singelo quanto profundo, simples, quanto singular. A cena era quase poética, de uma poesia feita em pequenos gestos. A terapia da atenção, aquela que, acima de títulos ou técnicas, tem o dom de humanizar, de tratar a pessoa, quem seja, como cidadão.
E cidadania é o conceito que da norte a reforma psiquiátrica. Cidadania, qualidade de quem é cidadão. Cidadão, indivíduo no gozo dos seus direitos civis e políticos de um estado livre. Livre, o estado daquele que tem liberdade. E liberdade, como nos ensinou Cecília Meireles, “é uma palavra que o sonho humano alimente, que não a ninguém que explique e ninguém que não entenda”. Sejamos portanto, livres. Livres para aceitar a loucura, livres para ser louco, livres das amarras dos preconceitos, livres para dizer não ou para dizer sim, livres, portanto, na integralidade e na intensidade que toda nossa lucidez nos permitir, livres para viver e para deixar que vivam.
Olá Marte!
ResponderExcluirEstou acompanhando a "aventura" dos gaúchos e paulistas no Rio. É ótimo poder saber que em breve o SUS contará com trabalhadores tanta vivência na ESF!
Quando puder, visite tb as demais unidades da AP 2.1! O desafio aqui é grande, mas estaremos de braços abertos para aqueles que lutam e querem a consolidação do SUS!
Cordialmente,
RENAN PESSANHA - NESF CAP 2.1
http://www.cap21.blogspot.com
...sem palavras...resumiste tudo Marte!!
ResponderExcluirAbrs Versusianos - Gustavo